O Frankenstein da pós-modernidade

 

Twitter. Na academia, nada ainda se fala sobre o ‘fenômeno’ exceto, talvez, nas faculdades de comunicação, mas a sensação que eu tenho é que nós [os que se ocupam dos debates acadêmicos] sempre estaremos um passo atrás da velocidade com que o mundo da vida vem se transformando. Se alguém ousar me perguntar o que eu, que assisti incrédula a expansão do twitter na internet, penso sobre isso; não hesitarei em dizer que “eu tenho medo!” Não, não é o ‘medo’ da Regina Duarte; não é o medo do desconhecido que, por sinal, não à toa, assusta. Tenho medo que esse processo revolucionário ao qual passamos seja, de algum modo, interrompido.

E, sinceramente, não é um medo sem fundamento… Não estaríamos diante de um novo Frankenstein? Sim, todos se recordam da história: um jovem cientista, que recolhia restos mortais no cemitério da esquina, dá vida a uma criatura ao colocar-lhe um cérebro e disparar algumas descargas elétricas. Mas, para o seu desafeto, algo saiu errado na experiência! O cérebro seria de um bandido de alta periculosidade o que atribuiu à sua criatura uma personalidade não muito amigável. Assim, a criatura foge ao controle do criador e passa a ter vontade própria. Criatura e criador põem-se em oposição por desejarem coisas completamente distintas um do outro. O cientista o queria a seu serviço para consagrar-se na carreira, enquanto o abominável ser queria viver livre e distante dos seres humanos que o encaravam com anormalidade.

Qualquer semelhança é bem mais que mera coincidência: a internet é exatamente o Frankenstein dos nossos dias. Ela surgiu como mais uma dentre tantas promessas típicas do contrato social de uma sociedade democrática capitalista ocidental que aceita o máximo de liberdade possível, desde que seja benéfica ao consumo. E, oras, não é a internet uma ferramenta mais que benéfica ao consumo? Basta um clique para se ter bilhões de bens e serviços ao alcance das mãos [desde, é claro, que o cartão de crédito também esteja]. Consumo de bens e serviços diversos, mas não apenas… Consumo de informação!

Mas, caros amigos, desde o Frankenstein, não existe criação perfeita!

O criador lhe deu um cérebro e este não quis obedecer aos seus originais comandos. Os indivíduos se apropriaram da internet: não como passivos consumistas à espera dos salões científicos onde seríamos apresentados como a cura de todos os males [à saúde do mercado], mas como monstros indomáveis dotados de vontade própria. Sim, saímos da escala de consumidores de informação para nos posicionarmos como produtores e negociadores dela. Qualquer indivíduo em alguns segundos pode criar uma rede interminável de contatos, acessar e produzir informações que circulam, via twitter, a uma velocidade instantânea.

Até aqui, tudo bem, tudo sobre controle! O monstro tinha aprontado algumas, mas nada que pusesse em risco a vida do seu criador! A internet competia com a velha e oligárquica mídia e esta vinha buscando, ainda que sem muito sucesso, se adaptar ao fato de não haver mais o tradicional furo de reportagem ou informação exclusiva e ninguém tocava nas feridas mais profundas… Estas últimas semanas, entretanto, o ‘Estado’ [esta figura emblemática, soberana e intocável], com as bombásticas revelações do Wikileaks, descobriu que havia certas falhas no ‘contrato’: pode-se garantir o máximo de liberdade possível benéfica ao consumo [e deve-se acrescentar], desde que não ponha em risco a autonomia das intenções espúrias do seu criador! E, devo dizer, muito provavelmente as verdades reveladas pelo wilileaks não teriam o mesmo impacto se não existisse o twitter para disseminar viralmente seu conteúdo. O criador se tocou: a criatura quer bem mais que liberdade; a sua personalidade pouco amigável, de repente demonstra desafiar as suas leis.

O que significa ao governo norte-americano, que controla a internet do mundo, se sentir vulnerável à simples circulação de informações? O que significa, ainda, a uma potência detentora das mais avançadas máquinas de destruição em massa, se sentir vulnerável a simples ataques de hackers que não ultrapassam a esfera virtual? Estaria o Victor Frankenstein da nossa história, se sentindo ameaçado por sua própria criatura? E, finalmente, seremos capazes de nos libertarmos do criador sem marcas profundas? Ou melhor, seremos capazes de nos libertarmos? Meu ‘medo’ é que, assim como a criatura do Frankenstein, a internet seja percebida como uma criação danosa à saúde do Estado enquanto potência autônoma, soberana e inquestionável.  Pois, uma vez com sua saúde ameaçada, o criador não hesitará em aniquilar sua criatura.