Saudade da Boneca…

Não sei se tem muito a ver com o fato de eu ter dois nomes, mas eu sempre atribuo a esta razão o fato de ter traços duplos em minha personalidade. Às vezes até brinco que tais e quais características fazem parte da personalidade “Camila” enquanto aquelas outras fazem parte da personalidade “Tássia”. Os projetos e as perspectivas para o futuro, igualmente são dúbios e até antagônicos: às vezes mais próximos de uma ou de outra “personalidade”. Mas enfim… O fato é que eu sempre inicio projetos que acabo abandonando no meio do caminho, ou pelo menos deixando um pouco de lado para um tempo futuro indeterminado.

À parte a convicção de que essa minha “dupla personalidade”, é meramente figurativa, gosto de imaginar que os dois lados estão sempre em conflito e que vez ou outra um está dominando o outro: o lado “Camila” gosta mesmo é do cotidiano, de papear com os amigos e das coisas mais artísticas e “vagabúndeas” desta vida sem preocupar muito com projetos.  Em contrapartida, o lado “Tássia” é exatamente o oposto: comprometido, centrado, estudioso, acadêmico e militante [aquele que ri da piada machista e logo em seguida dá um adentro politizado ao assunto].

Para aqueles que por tempos acompanharam este blog, acho que nem preciso dizer qual lado se encarregava de atualizar os post não? Este mês ele completa 3 anos de existência e como grande parte dos projetos que iniciei em minha vida, este ficou ali no cantinho à espera de um momento de maior destaque. Mas sabe? Acho que me cansei um pouco de sempre ter algo a dizer sobre as coisas! E me respondam: o mundo acaso está dividido entre aqueles que têm algo a dizer sobre as coisas e aqueles que “curtem” o que o outro fala? Porque eu estou mesmo um pouco cansada do pensamento sempre politicamente correto e já não estou tão a fim de “curtir” sempre as mesmas pessoas.

Acho que um dia eu fui dormir em um mundo em que todos estavam mais era preocupados com suas vidinhas e acordei em um em que todos são súuuper politizados e adoram compartilhar seu modo inteligente e justo de ver o mundo.  Mas, mesmo achando tudo muito lindo e ficando super feliz de ter tantos amigos politicamente corretos como eu, vem o meu lado Camila às vezes e me questiona se a culpa de todas as mazelas sociais é sempre do governo e sua corrupção ou se um professor que passa 100 dias em greve está tão pouco preocupado com a educação pública quanto o governo.

Talvez [apenas talvez], as pessoas que estão sempre preparadas para ler um pensamento “politicamente correto e analisar se ele fere sua “cartinha básica de princípios humanistas” para somente depois preencher a enorme lista de “joinha” do facebook  não vão “curtir” meu post desta vez… Mas hoje eu sou mais Camila e tou bem é a fim de viver a minha vidinha!

Para finalizar… saudade mesmo da boneca pensante… Talvez meu lado politicamente correto um dia volte a querer opinar novamente sobre tudo… vai saber?

Occupy e vanguarda [a revolução será re-twittada?]

Nunca me senti tão desconfortável com uma situação! O ano era 2006 e eu: caloura do curso de Ciências Sociais. Na finalização da TÃO esperada “SEMANA DO CALOURO” [leia-se: TÃO esperada pelos partidos políticos], eis que surge a minha primeira frustração universitária!

Tudo começou num lindo dia de sol com uma linda passeata por “melhores condições de ensino na Universidade Pública!” Eu, estudante-revolucionária-recém-chegada-do-ensino-médio-que-sequer-tinha-assistido-a-primeira-aula, decidi iniciar o projeto pessoal de “salvar o mundo” pelo movimento estudantil! O que eu [AINDA] não sabia [E SÓ DESCOBRI NO MEIO DA PASSEATA] é que todo protesto de estudantes de esquerda que se preze inclui, OBRIGATORIAMENTE, no meio da pauta, gritos de guerra contra “a fome no mundo” [hã???], “o capitalismo” [desgraçado!], “as privatizações” [tem sentido…], a “exploração dos trabalhadores” [tadinhos!], “o governo Lula” [ ÊPA! eu votei nele… ], “o reitor almofadinha” [“reitor?” esse cara deve ser muito mal!], “fora C.U.T! “[que diabo é isso? Será que é alguma seita satânica?], “fora Bush!”[Bush ta em Salvador???], “não à colonização na lua” [pera lá, pera lá! Tão colonizando até a lua?????] e, principalmente, mas não menos importante:  “fora azeitona na empada de frango!” [poxa, mas eu adoro azeit…].

Exageros à parte, o que eu quero dizer com tudo isso é que mesmo que eu concordasse com grande parte daquelas pautas não saí de minha casa para protestar contra ‘a fome no mundo’, mas sim por ‘melhores condições de ensino’ [ainda que não tivesse sequer assistido à primeira aula!]. É senhores, minha primeira grande lição acadêmica foi:  ‘NÃO CONFIAR NOS PARTIDOS POÍTICOS!’ Eles querem números, mas não se preocupam com uma verdadeira formação intelectual, pois partem do seguinte pressuposto: não é óbvio para todo mundo que a fome no mundo, o FMI, o Banco Mundial e as privatizações deveriam estar na raiz de toda e qualquer agenda de luta?

– Err… na verdade, NÃO!

Não tem coisa mais linda e gratificante que participar de uma luta quando há identificação REAL com a causa [pode ser até mesmo contra azeitona na empada]. Você já experimentou participar de algo que não lhe pertence? Para mim, este é o problema da vanguarda: ela dita parâmetros, define pautas que lhe são verdadeiramente caras, mas e aqueles que as seguem? Eles realmente o fazem com pleno pertencimento? Quem, por exemplo, não se recorda do famoso “Maio de 68”? Até EU que nasci em 1987 me lembro! Começou em Paris e tomou o mundo! [leia-se: mundo ocidental]. “Maio de 68” é o símbolo maior de um “movimento de vanguarda” que revolucionou o mundo [ocidental] com sua concepção de participação política, sua concepção de liberdade, sexualidade, etc e tal…  Mas sabe? Algo em 1968 me faz pensar:

“Por que todos os movimentos de vanguarda vêm do Norte?”.

Quatro décadas pós-68 [e diversas manifestações vanguardistas depois…], eis que me deparo com o “Occupy Wall Street” que rapidamente se disseminou via twitter e facebook e gerou [quase que instantaneamente] ocupações por todo o mundo [leia-se…]. Alguns dias depois, caminhando próxima à Cinelândia dou de cara com o “Ocupa Rio” e foi inevitável não pensar no episódio de 2006! Aquela situação me causava exatamente o mesmo desconforto. Não apenas porque as pautas são muito similares, mas principalmente pela velocidade de adesão. Não havia um movimento pré-occupy como acontece geralmente numa ocupação sindicalista, numa greve, num movimento sólido como por ex, a Marcha Mundial das Mulheres onde a pauta não é aderida em uma semana, mas é construída anualmente, dia após dia; quando, de fato, há uma sensação de pertencimento e reconhecimento da causa. Eu fico pensando que o jovem de quatro décadas pós-68 tem a pueril sensação de que basta re-twittar determinada idéia que automaticamente poderá salvar o mundo! Por dia, em meu twitter, facebook e caixa de email encontro pelo menos um abaixo-assinado para impedir determinada lei bizarra no congresso ou qualquer outra esfera institucional. Aí eu fico me perguntando: então eu escrevo meu nome e meu email e assim transformei o mundo em algo melhor?

Sei que ao falar isso, alguns me enquadrarão como a chata-reacionária-pequeno-burguesa-filha-da-puta, mas quero esclarecer uma coisa: não vejo nada de errado com as pautas [ao contrário, sou plenamente a favor]. Entretanto, me preocupa o ‘pertencimento’. E pertencimento não é algo construído de fora para dentro, mas sim de dentro para fora!  Sei que muitos dirão: “Mas Boneca, não somos nós, os povos pobres, os mais afetados pelo capitalismo desde a sua implementação?” e obviamente eu não terei como discordar disso… Mas ao mesmo tempo fico me perguntando uma coisa: porque nós que tivemos uma institucionalização esdrúxula do modelo de “Bretton Woods”, por que nós que passamos pela forma mais intensa do “Estado Mínimo”, por que nós que nunca vivenciamos um “Welfare State”, nós que sempre estivemos mergulhados numa profunda crise social, por que nós, populações pobres de democracias frágeis e mal administradas, aderimos tão facilmente ao “Occupy”?

Ora, o capitalismo é insustentável AGORA que afetou o Wall Street? Logo agora que a Europa afunda no desemprego?  Justamente agora ele se torna insustentável? Eu posso dizer sem medo de errar uma coisa: as reduções sociais decorrentes da crise econômica não são, em absoluto, mais duras do que as reduções sociais que nós, povos sem vanguarda, enfrentamos.

– “Pera lá, pera lá! Povos sem vanguarda porque só acompanhamos a onda e não temos capacidade de lutar pelas nossas próprias demandas?”

EM ABSOLUTO! Não será necessário mais que um olhar atento para se perceber que temos sim nossas demandas, nossas conquistas através da luta e isto é inquestionável! Mas alguém consegue me explicar porque TODOS OS GRANDES MOVIMENTOS DE REPERCUSSÃO MUNDIAL VÊM DO NORTE? Será que antes do “Occupy Wall Street” milhares de vidas não sangraram nos países pobres contra o capitalismo e a adesão a projetos político-econômicos de perpetuação do sofrimento humano? Será que esquecemos os torturados políticos, os índios, os negros que morreram defendendo suas causas? Será que esqueceremos as centenas de vezes que nós nos levantamos contra as condições injustas de distribuição de recursos? Porque a concepção de Estado plurinacional boliviana não ganhou força no mundo? Porque a concepção de Pacha Mama não é conhecida ou sequer compreendida para além da linha do Equador? Porque o Zapatismo só ficou numa floresta no México? Em suma, PORQUE AS EXPERIMENTAÇÕES DO SUL NÃO CONSEGUEM CAPILARIDADE NOS PAÍSES DO NORTE?

Até o comunismo vem do Norte; mas o comunitarismo indígena é uma experimentação social primitiva. Foi preciso que a Europa chegasse à condição que sempre vivemos aqui para que nós nos mobilizássemos?  Para mim, aderir sem filtro ao “Occupy’ é dizer ao mundo que nos sensibilizamos com o espalhamento da pobreza nos países ricos e somos solidários à causa! E somos mesmo já que pobreza e desemprego não são novidade para nós do Terceiro Mundo. Mas eu que aos 24 anos de vida nasci e cresci no espectro de crises múltiplas [social, política econômica, moral, ecológica] tento me recordar em quais eventos o Norte foi solidário ao nosso sofrimento, às nossas demandas, às nossas lutas?

Há sim um problema com a vanguarda: mais que inaugurar uma tendência, ela concebe uma forma; ela modela, moldura e transforma o que vem antes e o que vem depois em um simples re-ttwite onde tudo já foi pensado, tudo já foi formulado e só precisamos seguir.  Não somos nações sem vanguarda por passividade; somos nações sem vanguarda porque nosso grito não consegue cruzar o oceano, não consegue transpor a linha do Equador, porque nossas idéias e nossas demandas estarão sempre à margem, esperando serem colonizadas ou redescobertas.

Maaaaaaaaaaaaaaaaas…  Para não ser injusta, gostaria de finalizar este post pessimista com uma confissão: cada vez que passo pela Cinelândia e vejo que o movimento permanece sólido e a cada dia mais renovado, meu coração se enche de esperança! Afinal, se o pertencimento gera a constância, não geraria a constância o pertencimento?

A Tássia é beeeeeeeeeeem baiana mesmo!

Pois bem! já posso dizer, minimamente, que estou “ambientada” na Cidade Maravilhosa. Fato que, diga-se de passagem, não é lá uma tarefa TÃO difícil assim, mas enfim… O fato é que eu, como todo bom jóvem-sonhador-recém-formado-em-Ciências-Socais, vim de lá [eu estou aqui o que é que há] achando que iria ajudar a quebrar todos os clichês sobre a Bahia, que todos me reconheceriam pela minha personalidade e não pelo meu sotaque, que eu ajudaria a desconstruir a imagem de que todo baiano gosta de carnaval e acarajé e, principalmente, de que todo baiano é lento e preguiçoso! Enfim… Estava disposta a mostrar “o que é que a baiana tem?” e que isso ia muito além da mistura de pimenta com dendê.

Acho muito delicado falar sobre esse assunto porque a mim causa certo estranhamento que uma condição tão particular de existência (ser, nascer baiano) se torne algo tão forte no meu cotidiano. Sendo um pouco mais clara, me sinto meio estrangeira no meu próprio país, como se a Bahia não fizesse parte do Brasil, como se fosse um mundo paralelo onde todas as pessoas andassem requebrando na rua, fossem sempre felizes e sorridentes, extremamente sexualizadas e permissivas. Como [quando? e por quê?] ser baiano no Rio de Janeiro se tornou uma espécie de “grande acontecimento”? Provavelmente a espontaneidade forçada de suas cantoras de axé, a malemolência carnavalesca e tropicália dos nosso grandes ícones (e anti-ícones) musicais ou a caetanidade extremada da fala de suas principais figuras tenham, em alguma instância, contribuído para toda essa “baianidade” construída, certamente, muito mais fora da Bahia do que dentro.

No primeiro dia de aula, na primeiríssima vez que me apresentei à turma e falei “bom dia” o professor já soltou aquela velha frase que escuto por aqui pelo menos umas 3x por dia: “você é baiana? Ô terrinha boa!” [e você, tentando ser simpática, tolera o comentário achando que é uma questão de tempo e adaptação…]. Na aula seguinte a cena se repete, mas eu mesma, baiana com síndrome de identidade aflorada, contribuo para aquele velho clichê baiano:

– “Você é da Bahia? Ô terrinha boa!” Chegou de pára-quedas aqui no Rio?

– Tô chegando…

– Normal, baiano ta sempre “chegando”…

–   …    [porque eu fui abrir minha boca?]

[muitos risos generalizados]

Err… Enfim…

Certamente foi ingênuo da minha parte achar que tudo era uma questão de tempo… Alguém escreveu esses dias no facebook algo como: “por que fora da Bahia todo mundo vira baiano?”.  Eu tive que me acostumar com o fato de que o Fulano, a Beltrana e a Cicrana do seu lado são identificados pelos seus respectivos nomes enquanto você ganha o carinhoso e “criativo” apelido de a baiana. Igualmente, tive que me acostumar com coisas como: “a gente não vai trabalhar no ritmo da Bahia, mas sim no ritmo do carnaval da Bahia” ou “toda baiana é arretada!”, “toda baiana é fogosa”, “toda baiana é uma pimenta”, “toda baiana” isso, “toda baiana” aquilo; ou ainda, com o fato de sempre ter que ouvir alguém “imitar” o jeito baiano de falar como se a gente tivesse engolido um apito e, ao mesmo tempo, espetado um alfinete na ponta da língua:

– “oxentí, tú é da Bahia é? Víci bixin”

E, para quem achar que é exagero, SIM, ELES SEMPRE FALAM A MESMA COISA!

A verdade, no entanto, é que não dá pra ficar com raiva dos cariocas; eles adoram os baianos [err… talvez o mais correto seria dizer que “os cariocas adoram as baianas…” rsrs]. Toda vez que pela milionésima vez no dia alguém diz “Você é da Bahia? Ô terrinha boa!” sempre vem acompanhado da seguinte frase: “eu conheço um/uma baiano/a que é suuuuuper gente boa!”.  Poxa, confesso, quando isso acontece acho suuuuuper gratificante ser reconhecida como a baiana! Aí amoleço o coração, esqueço minha “militância” e até dou uma ajudinha no sotaque:

– Não moço, baiano não fala assim não; baiano fala assim: “Oxeeeeeente, tu é da Baaahia é???? Mas rapaaaz, Viiixe!!!

Semana passada estava estudando estatística com a turma e de repente gritei de lá da minha cadeira: Oxeeeeeeeeeeeeeeeente! Mas não enteeeendi foi nada agóóóra” e a Janete, minha colega de turma, riu e disse: “A Tássia é beeeeeeeeeeem baiana mesmo!” E sabem, isso foi a coisa mais sensível e delicada que eu já ouvi desde que cheguei aqui no Rio de Janeiro. Não sei, vocês podem achar um exagero, mas não é muito lindo ter reconhecido o lugar de onde você vem apenas pelo seu jeito de ser? É muito bom quando alguém me diz: “logo se vê que você não é daqui”, não porque eu quero me distinguir do povo carioca [quando a gente ta num lugar o que a gente mais quer é se aproximar], mas justamente porque algo em mim me remete ao lugar que venho. O que a Janete me fez perceber, na verdade, é que desde que eu cheguei no Rio tenho contribuído, e muito, para a tal “baianidade construída muito mais de fora da Bahia do que de dentro”. Sempre que alguém fala alguma coisa sobre qualquer assunto, lá vem a Tássia Camila dizendo: “lá na Bahia a gente faz assim”, lá na Bahia tem sempre pimenta pra acompanhar o prato”, “os baianos são mais animados”, “lá na Bahia” isso, “lá na Bahia” aquilo. Vez ou outra eu até tempero mais a voz com um sotaque beeeeeeem mais baiano que de costume só pra ouvir mais uma vez a velha frase “Você é da Bahia? Ô terrinha boa!” de sempre! E, sempre que alguém me diz que NUNCA COMEU ACARAJÉ NA VIDA ou NUNCA COMEU UMA MOQUECA COM DENDÊ, nem sabe do que é feito um CARURU ou um VATAPÁ, até eu começo a acreditar que a Bahia é mesmo um outro mundo completamente diferente…

Amigos conterrâneos, me perdoem, mas pra ser bem sincera com vocês, a verdade é que eu até já desisti dessa tal “militância”… Antes de morar longe da Bahia tudo que a gente não quer é ser rotulado e identificado pelas nossas características generalizantes ou na superficialidade das “palavras-chave”: pimenta, acarajé, dendê e carnaval; entretanto, tenho até que prestar minhas sinceras desculpas aos cantores de axé e aos tropicálios por todas as vezes que os xinguei em pensamento por disseminar uma baianidade mais baiana que a nossa; mas a pura e derradeira verdade é que Fora da Bahia a gente é beeeeeem mais baiano mesmo!

Primeira chuva de outono

Ontem caiu a primeira chuva de outono…  Não havia folhas secas em meu caminho e, mesmo que no livrinho do primário a estação fosse sempre representada por aquela árvore seca e com folhas caídas, esse nunca fora o meu outono.  Como notar? Se as estações sempre passaram por mim sem muita percepção, sem muita expectativa, sem muito significado? Como notar?

– Logo eu… Sempre tão verão!

Pés inchados; roupa encharcada; olhos turvos… Sim, dei-me conta, é chegado o outono! Mas, como notar se em plena Av. Rio Branco não há outono? São Apenas as mesmas folhas [roupagem de uma paisagem imutável]: carros, pessoas, pessoas, carros. Onde cairão as folhas da estação? Na próxima estação do metrô? Mas agora minha pele é feito folha e minha alma feito árvore; em mim, eterno verão, o outono chegou… “Comprem todos agasalhos!” O outono só me dá uma certeza: o inverno não tarda! Mas eu, sempre tão verão, detenho os olhos apenas na primavera. Quem entende? Alguns tão verão, outros tão inverno…

Na primeira chuva de outono atravesso praças e avenidas que sequer recordo o nome; e eu, como muitos outros milhares de rostos em suas conduções, enfrento o outono que literalmente cai, sem folhas, sob nossas cabeças! Por que sentir-me assim tão outono?

– Logo eu? Sempre tão verão…

Não, eu não posso! Não dá pra me sentir outono tendo ao meu lado tantos invernos… Aquele senhor ali encolhido na marquise da loja de departamento poderia ser o meu avô! Como notar? Na Av. Rio Branco as estações cruzam-se todo o tempo; mas como notar?

– Logo… Eu, sempre tão verão: outono, inverno!

O vestido cinza vai ficar…

O que não pode faltar numa mala? Pasta de dente, absorvente, sabonete, shampoo e condicionador são supérfluos, eu compro lá. Toalha [é importante!] roupa de frio, biquíni, calcinhas, sutiãs, escova de dente, pente, saboneteira, protetor solar, roupa de dormir, roupa de acordar, roupa de sair, roupa de ficar. Sapatos? Um problema à parte. Quanto espaço eles ocupam! Um tênis, uma sapatilha, um salto alto, uma rasteira ocupa quase metade de sua mala!!!!

Nossa, que arte! Dobra em rolinho pra dar mais espaço, aperta desse lado, puxa daquele… Tanto esforço pra no final a gente sempre esquecer alguma coisa muito importante e levar outras sem nenhuma utilidade… “Poxa! fechei a mala e faltou aquele meu casaquinho que eu gosto tanto” abre de novo, fecha, pega aquilo de volta, põe no lugar… Coloca isso, tira aquilo; Sabe o que eu acabo de perceber? Que na mala tudo é passível de troca, nada é insubstituível. Aquele vestido cinza, tão velhinho, que minha prima me deu há mais de 10 anos atrás, vai ficar e isso dói. Não pelo pedaço do pano francês desgastado, mas por ter atravessado minha adolescência e ter sobrevivido a ela quando sequer eu mesma tenha sobrevivido tão bem! E, pensando um pouquinho, talvez ele seja a coisa mais sólida que ficou entre aquela garotinha magricela cujo vestido engolia e a mulher ao qual, depois de velho, o vestido cai tão bem…

Dói deixá-lo aqui entre tantas outras coisas que sentirei falta! Não pelo vestido velho de zíper relaxado, mas por todas as fotos às quais ele se registra e todos os momentos vividos que sequer recordo! Como deixá-lo sem lembrar-me daquele meu retrato-falado [mal] feito no paint que causou tanta graça? Ou ainda, como deixá-lo sem recordar das infinitas vezes que levava o namorado no ponto de ônibus com meu cachorro do lado?

Eu poderia levá-lo comigo no lugar daquela calça jeans super linda, mas que fica bem melhor na minha irmã do que em mim… Mas sabe? Não vou levá-lo não! Vou deixá-lo dobradinho aqui no fundo da minha gaveta. Quero conservá-lo velho como está, com seu zíper relaxado, com suas manchas e suas partes descosturadas. Quero deixá-lo aqui para que preencha espaço e para que, de algum modo, eu não perca a sensação de que haverá sempre um lugar para onde retornar…

O vestido fica! Tá decidido! Com dor, como tantas outras coisas e pessoas que amo! Mas sabe? Se em minha mala eu pudesse levar tudo que sou mais apegada, o vestido cinza, de longe, sequer estaria nesta lista!

Para a posteridade… rsrs… Uma fotinha bem ordinária minha (toda desgrenhada)  e do vestido para matar a curiosidade de quem não o conhece!

Ai ai… as coisas que jamais escreverei

Desde o Natal eu não posto nada aqui… Mas tanta coisa aconteceu em minha vida desde o Natal, que talvez vivê-las fosse mais importante do que escrever e/ou refletir sobre… Muitas vezes me senti ‘metamorfose ambulante’, mas não tanto em tão pouco tempo! Em algum lugar se disse que “se depois das tempestades sempre vêm tais calmarias, que soprem os ventos até acordar a morte!” e, apesar de agora nem lembrar quem foi que escreveu isso [ah, eu acho que foi Shakespeare em Otelo], nunca conheci uma frase mais reconfortante que esta. Não é bom viver a tempestade à espera da calmaria? Sim, talvez… Aliás, talvez não! E, aos desabrigados do Rio de Janeiro essas calmarias não seriam falsamente confundidas com o silêncio profundo das ausências? Não, eu não quero a calmaria das ausências! Essa, senhores, eu não quero!

Mas quem sabe não estejamos errados em evitar as tempestades?  Minha irmã diz que, especificamente a mim, não há ditado mais coerente do que aquele que diz “aqui se faz, aqui se paga!” porque eu SEMPRE pago pelos meus atos. Mas sabe o que eu penso sobre isso? “Eis aqui uma Mulher que viveu todas as tempestades que cruzaram seu caminho”. Sim, vivi TODAS! Não como uma rocha que sobrevive firme, intacta. Muito pelo contrário, ao fim de cada tempestade lá me vi completamente devastada! Mas oras, não estou eu aqui, afinal, escrevendo sobre as coisas que jamais escreverei?

Então… Eu acho que estão vindo tais calmarias… Só espero que não sejam de ausências…

Ciclos

Antes que vocês leiam esse post, quero dizer que há aqui uma situação especial. Eu o escrevi ontem, quando estava muito triste, mas uma queda de intenet me impossibilitou de postá-lo… Hoje, entretanto, quem diria, tudo aquilo que escrevi já não tem mais o mesmo sentido.  É Natal, porra! A data mais esperada desde que eu tenho uns 3 anos de idade e eu queria estar passando uma mensagem positiva e feliz. Mas, mesmo que tais palavras que se seguem pareçam meio melodramáticas, decidi postá-las!

FELIZ NATAL A TODOS QUE GENTILMENTE PASSAM POR AQUI DE VEZ EM QUANDO PARA LER MINHAS BOBAGENS!

Ciclos

Um grande amigo me disse para respeitar os ciclos que se abrem e se fecham o tempo todo. Mas, confesso, no momento em que ele me falou, estava ansiosa em saber tantas outras coisas que sequer pude compreender o significado daquilo. E, para ser sincera, há anos tem sido assim: ele fala lá entre seus códigos e algum tempo depois aquelas palavras me consomem a alma! CICLOS… Esta palavra rodou entre meus pensamentos, como se não encontrasse espaço para acalmar-se entre tantos outros devidamente assentados; estava inquieta, como se buscasse algo além do seu sentido mais que óbvio. CICLOS… Aos poucos, como num estalo, tudo parecia um pouco mais claro… Uma caminhada na Praça do Campo Grande entre o pipoqueiro, o aposentado lendo seu jornal matinal e a esportista de meia idade e…

__ Ah sim, é verdade, agora compreendo! Quer dizer, agora, minimamente, compreendo…

Para além do velho óbvio de que o universo, em alguma instância, é regido por ciclos [como aqueles do nascimento à morte, ou aqueles outros de leis astronômicas universais] o que significa respeitar os ciclos? Significa que eles têm uma projeção calculável onde/quando começam e onde/quando exatamente vão terminar? De repente eu percebo justamente o contrário… Não dá para apressá-los ou interrompê-los, mas talvez, simplesmente, eles não acabem no momento mais conveniente…

__Talvez, em alguns casos, não respeitar os ciclos seja justamente não compreender quando eles se fecham…

Ciclos… Haverá, quem sabe, aqueles que sequer se completam? Se sim, por estes, lamentemos. Afinal, a possibilidade não concretizada não é sempre mais sublime e atraente do que a dura realidade da experiência finda? Lamentar, neste caso, é o caminho coerente e natural. Mas não, não lamentemos por aqueles ciclos que se fecham em momentos pouco convenientes… Eles rompem nossas convicções de espaço/temporalidade e isso causa certo incômodo. Mas não duvide que eles se fecharam! Ora, há que se convir, há certos ciclos que rompem essa necessidade infame e quase viciante que detemos dos tais ritos de passagem. Estes, sim, são ciclos perigosos! Saem pelas portas dos fundos sem que percebamos; sem que, de algum modo, notemos o seu findar… Não será talvez por isso que precisamos desesperadamente das cerimônias de casamentos, aniversários e funerais? Não servem estas para que não se reste a menor dúvida que um ciclo se fechou? E quanto às despedidas? Não precisamos, assustadora e mais desesperadamente ainda, destas tão concretas e, ao mesmo tempo, tão simbólicas despedidas? Necessitamos da carnalidade: pele-a-pele, olho-no-olho como se assim fosse mais fácil crer… Sim, crer.

Mas se eu pudesse dizê-lo, naquele momento, que o problema não está no fato de que os ciclos se fecham? E se eu pudesse dizê-lo que isto não funciona como uma equação binominal entre respeitar ou não os ciclos? Eu o diria: ‘você está enganado!’. E aquilo não consumiria mais a minha alma e sim a dele. Tudo, afinal, não se acaba? O problema não está no findar e sim na dúvida.  Sim, eu diria com muita certeza, mas naquele dia não pude, pois só hoje descobri o quanto a dúvida corrói e a certeza liberta! E somente agora, no exato momento em que estas linhas são digitadas sobre a tela, tenho a leve sensação de que a tal palavra ‘ciclos’ se assentou, em seu pleno sentido, entre meus pensamentos.

Findos também todos os mistérios! Como uma poderosa droga injetada na veia, não seria esse tal vício pelos ritos de passagem, a gostosa sensação de pleno controle sobre todos os ciclos que nos rodeiam? Passaremos, para tantos, mais um natal; depois, a tantos outros, mais um réveillon… E, quando tudo passar, também passaremos – com a certeza que mais um ciclo se fechou. Aí então, a partir da meia noite e um segundo do dia primeiro de janeiro de dois mil e onze, atiraremos todas aquelas promessas do ciclo que se fechou na linha do passado inatingível sem nos preocuparmos muito com nossas frustrações. Refaremos todos os nossos planos para o novo ciclo que se inicia com a clara certeza do que caberá ao futuro e daquilo que sobreviverá apenas como lembrança de um passado cada vez mais longínquo…

O Frankenstein da pós-modernidade

 

Twitter. Na academia, nada ainda se fala sobre o ‘fenômeno’ exceto, talvez, nas faculdades de comunicação, mas a sensação que eu tenho é que nós [os que se ocupam dos debates acadêmicos] sempre estaremos um passo atrás da velocidade com que o mundo da vida vem se transformando. Se alguém ousar me perguntar o que eu, que assisti incrédula a expansão do twitter na internet, penso sobre isso; não hesitarei em dizer que “eu tenho medo!” Não, não é o ‘medo’ da Regina Duarte; não é o medo do desconhecido que, por sinal, não à toa, assusta. Tenho medo que esse processo revolucionário ao qual passamos seja, de algum modo, interrompido.

E, sinceramente, não é um medo sem fundamento… Não estaríamos diante de um novo Frankenstein? Sim, todos se recordam da história: um jovem cientista, que recolhia restos mortais no cemitério da esquina, dá vida a uma criatura ao colocar-lhe um cérebro e disparar algumas descargas elétricas. Mas, para o seu desafeto, algo saiu errado na experiência! O cérebro seria de um bandido de alta periculosidade o que atribuiu à sua criatura uma personalidade não muito amigável. Assim, a criatura foge ao controle do criador e passa a ter vontade própria. Criatura e criador põem-se em oposição por desejarem coisas completamente distintas um do outro. O cientista o queria a seu serviço para consagrar-se na carreira, enquanto o abominável ser queria viver livre e distante dos seres humanos que o encaravam com anormalidade.

Qualquer semelhança é bem mais que mera coincidência: a internet é exatamente o Frankenstein dos nossos dias. Ela surgiu como mais uma dentre tantas promessas típicas do contrato social de uma sociedade democrática capitalista ocidental que aceita o máximo de liberdade possível, desde que seja benéfica ao consumo. E, oras, não é a internet uma ferramenta mais que benéfica ao consumo? Basta um clique para se ter bilhões de bens e serviços ao alcance das mãos [desde, é claro, que o cartão de crédito também esteja]. Consumo de bens e serviços diversos, mas não apenas… Consumo de informação!

Mas, caros amigos, desde o Frankenstein, não existe criação perfeita!

O criador lhe deu um cérebro e este não quis obedecer aos seus originais comandos. Os indivíduos se apropriaram da internet: não como passivos consumistas à espera dos salões científicos onde seríamos apresentados como a cura de todos os males [à saúde do mercado], mas como monstros indomáveis dotados de vontade própria. Sim, saímos da escala de consumidores de informação para nos posicionarmos como produtores e negociadores dela. Qualquer indivíduo em alguns segundos pode criar uma rede interminável de contatos, acessar e produzir informações que circulam, via twitter, a uma velocidade instantânea.

Até aqui, tudo bem, tudo sobre controle! O monstro tinha aprontado algumas, mas nada que pusesse em risco a vida do seu criador! A internet competia com a velha e oligárquica mídia e esta vinha buscando, ainda que sem muito sucesso, se adaptar ao fato de não haver mais o tradicional furo de reportagem ou informação exclusiva e ninguém tocava nas feridas mais profundas… Estas últimas semanas, entretanto, o ‘Estado’ [esta figura emblemática, soberana e intocável], com as bombásticas revelações do Wikileaks, descobriu que havia certas falhas no ‘contrato’: pode-se garantir o máximo de liberdade possível benéfica ao consumo [e deve-se acrescentar], desde que não ponha em risco a autonomia das intenções espúrias do seu criador! E, devo dizer, muito provavelmente as verdades reveladas pelo wilileaks não teriam o mesmo impacto se não existisse o twitter para disseminar viralmente seu conteúdo. O criador se tocou: a criatura quer bem mais que liberdade; a sua personalidade pouco amigável, de repente demonstra desafiar as suas leis.

O que significa ao governo norte-americano, que controla a internet do mundo, se sentir vulnerável à simples circulação de informações? O que significa, ainda, a uma potência detentora das mais avançadas máquinas de destruição em massa, se sentir vulnerável a simples ataques de hackers que não ultrapassam a esfera virtual? Estaria o Victor Frankenstein da nossa história, se sentindo ameaçado por sua própria criatura? E, finalmente, seremos capazes de nos libertarmos do criador sem marcas profundas? Ou melhor, seremos capazes de nos libertarmos? Meu ‘medo’ é que, assim como a criatura do Frankenstein, a internet seja percebida como uma criação danosa à saúde do Estado enquanto potência autônoma, soberana e inquestionável.  Pois, uma vez com sua saúde ameaçada, o criador não hesitará em aniquilar sua criatura.

Natal com os sogros…

Hoje, 1° de Dezembro, dia muito especial, pois é o início do mês mais legal do ano… Tem Natal, tem ano novo, tem comidas gostosas, tem queijo de cuia que eu adoro e tem as clássicas lembranças natalinas junto à família! Sim, Natal é o típico momento de recordar e, por este motivo, hoje acordei toda serelepe recordando dos momentos mais inesquecíveis dos Dezembros passados. Em meio a preciosas recordações, recordei de uma não tão preciosa assim…

Gente, vou contar, que situação mais ridícula! Estava no supermercado com meu namorado, minha cunhada, minha sogra, meu sogro; enfim… Com a família toda! Era véspera de Natal e o supermercado estava para fechar; então todos retardatários corriam para levar aqueles apetrechos básicos da ceia antes que fosse tarde demais. O supermercado estava super, super cheio, pois, ao que parece, todos adoram deixar as coisas para o ultimo momento…

Pois bem, quando estávamos bem na sessão mais procurada: a do peru de natal, eis que a luz se apaga num completo breu! Vocês conseguem imaginar o que é se encontrar completamente às escuras num supermercado lotado em plena véspera do natal? Eu imaginei que uma tragédia aconteceria! Imaginei que todos correriam com seus perus nas mãos a fim de garantir a ceia, imaginei pessoas correndo e gritando desesperadas com medo de perder o natal, imaginei o caos, a completa barbárie…

O que eu acho mais interessante no ser humano é grande capacidade que nós temos de racionalizar em momentos de crise… Mesmo que, em ultima instância, na hora do desespero, parecemos ter atitudes irracionais, essas atitudes são racionalmente calculadas para garantir o auto-controle necessário à sobrevivência da raça humana. Assim sendo, agindo em plena racionalidade e de acordo com as providencias possível em momentos de crise, fechei os olhos e dei um estrondoso e agudo grito de desespero.

– Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Entretanto, para meu azar, ao abrir os olhos, me dei conta que a luz já havia voltado e que eu fora a única pessoa em todo o supermercado a entrar em crise… Como as pessoas não puderam compreender aquele delicado momento essencial à sobrevivência da espécie? Sogro, sogra, cunhada, cunhado, namorado, padeiro, funcionários, clientes e perus… A cena se congela e, naquele rápido instante, o supermercado inteiro me olhou com olhar de condenação como se eu fosse alguma espécie de desequilibrada, só porque eu permaneci gritando alguns segundos após a luz ter voltado…

É… Assim foi o meu primeiro Natal com os sogros… E ultimo, diga-se de passagem!

 

Não se fazem mais Clark Gables como antigamente…

 

Tom Cruise. Eis meu modelo universal de homem-perfeição… E os gentlements de plantão podem até discordar de minha opinião, mas eu duvido que as ladys o façam… Como comparar qualquer mortal a um verdadeiro herói capaz de realizar missões impossíveis? A meu ver, há muito tempo o ator Tom Cruise se tornou indissociável dos seus personagens. Tanto, e a tal ponto, que vê-lo como um “homem real” se tornou uma missão impossível! Obviamente, seria um crime da minha parte fazer referência aos seus filmes de ação sem sequer mencionar filmes maravilhoso como “Nascido em 4 de julho”, “Vanilla Sky” ou “de olhos bem fechados”. Entretanto, ninguém pode negar que o ator é conhecido, mesmo, pelos filmes em que salva o mundo sem perder o charme.

Quanto aos rapazes, não sei, mas suponho que qualquer garota que saia do cinema depois de tanta demonstração de virilidade e altivez se torne uma pessoa um pouquinho mais decepcionada com os homens comuns pois, ainda que não sejam capazes de realizar mais do que as obrigações rotineiras, eles não poderiam ser encantadores, inteligentes, apaixonados, românticos, cavalheiros, sensíveis e perfeitos como todo bom galã de Hollywood? Claro que o galã não é apenas tudo isso que falei aí acima [que já é coisa demais!]; ele ainda precisa ser másculo, altivo, viril, sublime, bem-sucedido, impossível e, tchan tchan, tchan tchan… HERÓI. Ah, sim, este detalhe não pode faltar! Ele tem, obrigatoriamente, que salvar a donzela, o gatinho em cima da árvore e, de quebra, o mundo!

Eu não sei quando é que as coisas começaram a mudar [vai ver o Rambo, o James Bond e o Super-Man tenham algo a ver com isso], mas toda vez que vejo um filme das décadas de 30, 40 e 50 fico delirando de paixão pelos “homens de época”! Eles em nada se assemelham aos galãs da atualidade… São muito mais carnais, palpáveis, possíveis que os nossos… E posso estar redondamente enganada, mas as “donzelas”, por sua vez, também me pareciam muito mais altivas, mais donas de si, mais dominadoras que as de hoje… Não é que eu esteja querendo generalizar, mesmo porque o que chega do cinema antigo à nossa mesa é sempre o clássico… Mas, se este modelo de galã um dia foi capaz de atrair ao cinema, por que hoje seria diferente? Ainda que muita coisa tenha mudado nestas décadas, o galã de hoje é uma resposta a quê?

Hoje, depois de muito tempo sem ver um clássico antigo, assisti The Hucksters (Mercador de Ilusões), de 1947, estrelado pelo maravilhoso Clark Gable. E, como sempre acontece quando vejo um clássico, depois de vê-lo, tive vontade de ter nascido nesta “época dos homens reais”. Quer dizer… dos “homens reais” não, dos “homens possíveis”. O galã de 30 a 50 não precisava ser necessariamente lindo como o de hoje… [e Clark Gable está longe de ser enquadrado como o modelo universal de homem-perfeição]. Ele também não precisava salvar o mundo e, na verdade, ele nem precisava ser o poço da honestidade ou aquele bem sucedido. Ele podia não ser um “homem real”, mas certamente era um “homem possível”. Aquele que, com um pouquinho de esforço e um sex-appeal natural, pode transformar qualquer carinha da esquina num verdadeiro Gene Kelly da pós-modernidade! [risos…].

Tá bom, tá bom… Não é para tanto… Digamos apenas que  os homens de hoje podem, pelo menos, tentar aprender um pouquinho mais com os “homens de época” afinal, nós mulheres não somos tão exigentes assim…

Voltando… O que não pode escapar à vista, é que algo [ou muita coisa] entre 30 e hoje aconteceu para que o conceito de galã mudasse tanto a ponto de torná-los tão super-homens. Talvez o galã de hoje esteja muito mais preocupado em agradar ao homem comum do que à mulher e, para isso, estar sempre acima do padrão da normalidade. So… Enche-se o cinema de super agentes da CIA cuja beleza e o comportamento tipo-ideal-homem-perfeição-pós-moderno são elementos agregadores para agradar também às senhoritas que, na maioria das vezes, vão ao cinema para ver um filme do tipo por insistência do namorado. Entretanto, Se tudo está tão obviamente diferente, não podemos esquecer que cinema de 1930, por seu lado, era aquele que sofria uma verdadeira revolução: a transição do cinema mudo para o falado; e, neste sentido, pode ser meio esdrúxulo fazer qualquer tentativa de aproximação dos dias de hoje com um cinema que estava aprendendo a engatinhar. entretanto, toda vez que vejo os filmes de sucesso do passado, é impossível não me perguntar quando foi que a criatividade e a simplicidade passou a ceder espaço para as super-tramas e seus super-efeitos.

Quanto mais nos afastamos de 30, mais saudosa fico… [e olha que eu nasci no final da década de 1980]. Me faz falta a simplicidade, o glamour, e, sobretudo, me faz falta o galã. Aquele que era cheio de defeitos e ações irracionais; aquele que nem sempre era tão bem intencionado mas que conseguia se esquivar das armadilhas do caminho não pelos seus dons especiais, mas pela sagacidade e cinismo. É eu sinto falta do “homem possível” que, ainda que por vezes agressivo e capaz de magoar com palavras sua amada, quando estava ao seu lado, tudo parecia ser superável. No final das contas, apesar de todos os defeitos e tropeços, o que era necessário a um final feliz? Se me perguntas, eu respondo: para que mais que um pedido sincero de desculpas e as velhas juras de amor eterno na livre tradução do ardente e, ao mesmo tempo, inocente beijo? Nada de explosões, nada de medalhas honrosas por conquistas espetaculares… Nada disso! A única explosão capaz de ser percebida era a dos corpos desejosos; e, respondam-me, há conquista mais espetacular que a do ente amado? Aos amantes dos efeitos especiais eu pergunto: que necessidade há de fazê-los aliados? Um por-do-sol ao fundo e uma doce melodia não são efeitos mais que suficientes para esmorecer qualquer coração endurecido? Sim, sim, não há quem negue: o “homem de época” era realmente irresistível!

E, se me permitem um trocadilho ridículo:

Toms Cruises que me perdoem, mas Clark Gable é fundamental!”
E agora, um presentinho para quem não se importa de ver o final de um filme antes de assistí-lo: